segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Resenhas de livros reduzem penas nas prisões

Da BBC Brasil em São Paulo

Álvaro Lopes Frazão conheceu o livro Marley & Eu na cela onde está preso por homicídio. O romance americano sobre um labrador, com final triste - há quem diga meloso -, emocionou o prisioneiro, e tornou-se seu favorito: há anos trancado na cadeia, ele sente saudade de seu cachorro, Bob.

No dia 4 de junho de 2005, em uma discussão banal, Frazão esfaqueou um amigo. "Tirei a vida de uma pessoa", afirma, evitando se colocar como o sujeito atrás do verbo "matar". Doze anos depois, tenta lidar com a culpa e com o arrependimento: usa a literatura como terapia.
Elisande Quintino em oficina no presídio de Hortolândia

Ele está preso no Centro de Progressão Penitenciária de Hortolândia, um presídio do interior de São Paulo que, há quatro anos, começou a trocar redução de pena por resenhas literárias escritas pelos presos. No local, ocorre uma oficina de leitura e de escrita de resenhas duas vezes por semana: os participantes - cerca de 30 - falam sobre os livros que estão lendo e aprendem técnicas para organizar uma crítica literária.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma portaria que autoriza juízes a diminuir penas dos presidiários que escrevam sobre os livros que leem. Nesse período, já foram escritas mais de 6 mil resenhas - 5,5 mil pessoas já participaram. Para cada texto, um detento pode se livrar de quatro dias na cadeia - ele pode escrever uma por mês e 12 por ano.

O projeto segue a Lei de Diretrizes Penais, que prevê remissão de penas por trabalho e estudo. Segundo a resolução do CNJ, cabe aos governos estaduais criar programas de leitura nos sistemas prisionais - o preso só pode participar de forma voluntária.

Na prisão, Álvaro diz que percebeu que assassinar o amigo também tirou parte da sua vida: a liberdade da rua, o contato diário com suas duas filhas e a família e com o cachorro Bob. "Sinto muita falta dele, manja? Se tudo der certo, posso voltar a vê-lo, acho que ele está com uma vizinha", diz.

Quando terminou a leitura, ele teve alguns dias para escrever uma resenha e, assim, conseguir reduzir em quatro dias o seu período no cárcere: no texto, precisou explicar do que se trata a obra, quais são personagens principais, se o narrador está em primeira ou terceira pessoa. Também fez um julgamento crítico, dizendo por que gostou do livro, e se o indicaria para outra pessoa.

A crítica de Frazão foi então avaliada por um juiz, que autorizou a remissão. Ele pode negar o benefício caso o preso copie a orelha do livro, por exemplo.

Depois de resenhar Marley & Eu, Álvaro começou O espetáculo mais triste da Terra, livro-reportagem de Mauro Ventura sobre um incêndio em um circo de Niterói que matou 503 pessoas, em 1961. Para ele, conhecer o sentimento de perda dos parentes das vítimas o ajudou a compreender o sofrimento que causou ao matar o amigo.

"Você lê sobre a mãe que perdeu o filho, a mulher que perdeu o marido", explica Frazão, de 42 anos. "A princípio, eu não entendia o que eu fiz. Hoje eu consigo, vejo que, na hora, não contei até dez, manja? Hoje entendo que causei uma dor desnecessária... desnecessária."

Confira a reportagem completa neste link:

http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41168306

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